Falar


Falar, falar, falar. Certamente falamos demais por termos pouca coisa – ou nada – a dizer. A tagarelice parece não ter fim. As palavras são excessivamente desperdiçadas e mutiladas porque perdemos a dilatação das experiências que não são faladas. Uma pausa indispensável para o burburinho das ruas, da televisão, do trabalho. Passamos, então, a permitir que o tempo, através de nós, gere palavras vivas. Agora, em cada palavra dita, um rasgo é feito. O desejo passa, atravessa a palavra, toca e modifica o ouvinte: estranhamento, hilaridade, repulsa, medo, amor... De qualquer modo, algo vai ser produzido em quem é tocado por palavras impulsionadas por um desejo livre... É livre porque destrói tudo aquilo que a moral, a religião e a razão querem limitar ao estabelecerem o que pode e o que não pode ser dito  e o efeito disso não poderia ser mais nocivo: as palavras mortas passam a dominar a nossa vida. Precisamos encontrar o nosso tempo próprio de processar o que nos atinge, a nossa maneira singular de sermos tocados por elementos da vida que não são falados... Mas também podemos privilegiar as palavras faladas que expressam algo novo, diferente – e isso existe. Basta selecionarmos aquelas que nos tocam com uma força que nos impulsiona – para aonde? Pouco importa. Uma palavra, bem utilizada, pode fortalecer. Núpcias e não a morte!  já que as palavras mortas não têm, de fato, algo a nos dizer.

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Aforismo publicado no livro Singularidades Criadoras (2014), de Amauri Ferreira.

Comentários

Anônimo disse…
É preciso transformar as palavras ridículas em cartas de amor. Se as palavras nao fossem ridículas nao seriam cartas de amor.Parafraseando Fernando Pessoa eClarice Lispector diz ~Temos que criar uma lingua estrangeira porque esta nao da co0nta do que queremos expressar.
Anônimo disse…
me lembrei de um ótimo livro, do Mauro Amatuzzi, "O resgate da fala autêntica". Quanta energia desperdiçamos falando o que não somos, nosso discurso advindo de nosso medo e da nossa necessidade de conformação às pressões sociais, ao que esperam de nós, a uma realidade que enxergamos como dada e não como expressão de nossos desejos e ações, uma realidade pronta a priori e não construída por nós.A palavra tem de ser aquilo que nos acessa e que nos incessa, que nos expressa e nos projeta e não funcionar como uma caricatura de nossas mordaças.