Vulgarização


Envolvida pela tecnologia, distraída pelos mais diversos aparelhos eletrônicos, a vida humana está com o seu tempo, o seu corpo e a sua vida sugados. Mesmo quando se tem uma vaga ideia disso, a tentação é tão forte que, como resultado, os indivíduos se adaptam, de bom grado, ao ritmo frenético de estímulos sonoros e visuais que embotam os seus sentidos para a experiência das sensações que são distintas de um cotidiano que se assemelha a um videoclipe. Alguns sintomas dessa vulgarização: dominada pela poluição sonora e visual que distrai a mente, que rouba a ocasião primordial para que as suas regiões inconscientes possam se manifestar com toda a sua riqueza, um sujeito assim quase não amadurece – percebemos isso quando, ao reencontrarmos alguém após alguns anos, constatamos que essa pessoa praticamente não mudou...; a capacidade de pensar é esmagada pelo péssimo vício de reduzir a vida à sobrevivência e, também, à necessidade de interpretar, de associar tudo; a escrita cada vez mais enxuta, objetiva, refém de uma linguagem vulgarizada, gregária, que serve para os que não têm tempo disponível para leituras que demandam um mínimo de paciência – o que denota uma atrofia cerebral crescente; um excesso de instrução que obscurece as coisas elementares da existência (a arte, a fruição da vida, o pensamento, a alegria, os devires) – assim a instrução também serve de entorpecimento; a ignorância da importância do corpo para a invenção de tudo que serve para a superação de problemas, ou seja, impasses num cotidiano que se tornou insuportável de ser vivido (efeitos disso: intoxicação do corpo através de um hábito alimentar que é induzido por interesses mercadológicos – como a ingestão de alimentos e bebidas que até os cães se recusam a ingerir – e a consequente sensação de fome contínua... a fome orgânica e também a fome psicológica, esta como sintoma de uma péssima alimentação do tempo). Percebe-se que o nível de inteligência – não a erudita, mas a do modo de viver – está tão baixo, que estamos caminhando para uma época em que se alguém falar ou escrever duas ou três frases que expressam alguma complexidade de ideias, será chamado de gênio... Nunca será tão fácil ser um “gênio” no meio de tanta vulgaridade.

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Aforismo publicado no livro Singularidades Criadoras (2014), de Amauri Ferreira.

Comentários

Anônimo disse…
É uma pena nos distanciarmos de nós mesmos para uma satisfação comum e viciosa... uma felicidade momentânea e vazia... Uma vida sem amor e beleza.. Um cotidiano industrializado.