Vaidade


Uma organização que reconhece alguém pelo trabalho bem feito ou, então, pelo seu comportamento “exemplar”, nada mais faz do que tentar submetê-lo ao seu poder para que, dessa forma, ela mesma consiga se manter de pé por muito tempo. As muitas doses de reconhecimento dirigidas aos seus “colaboradores” são extremamente sedutoras, porque oferecem a imagem de que eles estarão por muito tempo sob a sua tutela. Porém, isso tem um custo: para continuarmos a ter o reconhecimento da organização é necessário permanecermos idênticos, ou seja, é indispensável acreditarmos que somos os mesmos a cada instante. Por consequência, continuamos a reprimir o desejo de sermos atraídos pelo desconhecido mediante o uso grosseiro da nossa energia, o que constitui um tarefismo onde se faz o “mais do mesmo” para obtermos títulos, dinheiro, poder e... sem dúvida, para continuarmos a acreditar que não mudamos. Enquanto alguém está capturado pela vaidade, seja um simples operário ou um renomado intelectual, é inevitável que ele fale o que a instituição deseja, que reproduza opiniões que são cada vez mais estimuladas pelo excesso de comunicação dos nossos dias, em suma, que não incomode ninguém, que seja um sujeito do “bem”, o orgulho da família... Apesar disso, jamais alguém é o mesmo, pois suas sensações e pensamentos mudam continuamente – mas é exatamente por isso que um sujeito vaidoso tem vontade de se agarrar às coisas supostamente sólidas, imutáveis e verdadeiras. Com o passar dos anos, a sua mudança não salta aos nossos olhos, pois ela é difusa, não tem consistência, já que permanece um pobre burocrata de espírito: ele diz as mesmas coisas que dizia há muitos anos, enuncia as mesmas opiniões, os seus problemas parecem girar neles mesmos, suas intrigas e angústias continuam no mesmo foco. A vaidade é um veneno, não nos permite evoluir, é um mecanismo do poder que está a serviço da democratização da organização-quadrilha (a que reproduz a forma-Estado), onde muitos se orgulham por participar – são os que se orgulham por copiar “verdades”, pois, desse modo, acreditam que irão progredir na carreira profissional e ter vantagens sobre os concorrentes. Mas isso é, para nós, uma evolução ao contrário, porque quanto mais nos submetemos aos elogios e às censuras da quadrilha organizacional, mais distantes da vida estamos. Alguém que, subitamente, tem a nítida consciência de que participa de uma instituição criminosa, ou melhor, de que foi preparado durante muitos anos para estar a serviço dela, já é, de algum modo, uma evolução no sentido da vida, seja com a idade que tiver... Esta constatação é apenas o passo inicial para que alguém possa se livrar do engodo que é a vaidade. 

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Aforismo publicado no livro Simplicidade Impessoal (2019), de Amauri Ferreira.


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